Diário de Bordo
O efeito “Druckenmiller” (o “trade” de 2024)
Stanley Druckenmiller é uma das lendas do mercado financeiro. Reconhecido por ter sido por mais de 12 anos o principal gestor do Quantum Fund de George Soros, guarda um “track record” invejável na condução de hedge funds: nada menos do que 30% ao ano em dólares durante 30 anos seguidos. Durante esse período, Druckenmiller nunca entregou um ano de retorno negativo e conseguiu realizar façanhas memoráveis, como por exemplo, o lucro de US$ 1 bilhão de dólares em uma única operação contra a libra esterlina em 1992 (foi o maior retorno da história obtido com uma operação de moedas fiduciárias).
Por essa e outras que o mundo financeiro simplesmente para quando ele fala. No começo do ano, por exemplo, ao mostrar as posições do seu fundo, Druckenmiller surpreendeu. Ele havia adquirido mais de 10% do patrimônio do Dusquene Family Office (seu Hedge Fund) em ações da Nvidia. Sua tese era baseada na ideia de que as vendas das GPUs da companhia dariam saltos relevantes devido ao avanço das ferramentas de Inteligência Artificial. Dito e feito: as receitas da Nvidia avançaram mais de 100% no segundo trimestre do ano e as suas ações dispararam mais de 200% no ano.
Entretanto, para cada aposta certeira existiram outras que não funcionaram. Apesar do otimismo com a Nvidia, nestes últimos dois anos a sua bússola macroeconômica falhou. Druckenmiller não conseguiu antever a forte elevação das taxas de longo prazo dos títulos americanos, sob a ótica de que a economia americana apresentaria sinais de fraqueza muito antes do que de fato aconteceu (ou que ainda vai acontecer). Diante deste “erro” na sua leitura, preferiu revisitar sua tese ao invés de manter sua teimosia.
Antes de explorar a tese do gestor, vale a pena revisitar brevemente como a curva de juros se comporta. A estrutura a termo da curva de juros é montada com base nas taxas de juros dos títulos públicos com diferentes vencimentos. O seu comportamento é dependente das mudanças de expectativas dos agentes em relação à economia, cuja análise é sustentada pelas mudanças na condução das políticas monetária e fiscal, além das mudanças do comportamento dos preços da economia.
Basicamente, se o Banco Central sobe a taxa de curtíssimo prazo (por exemplo, a taxa Selic no Brasil) para controlar a inflação, as taxas dos demais vencimentos deveriam se movimentar na mesma direção. Acontece que as taxas dos vencimento mais distantes sofrem os efeitos das expectativas, em outras palavras, se o juro de curto prazo sobe e de alguma forma se torna suficiente para segurar a inflação e desacelerar a economia, o passo seguinte da política monetária deveria compreender a sua redução, o que, por sua vez, deveria trazer novamente a curva de juros para baixo. A expectativa de Druckenmiller (e de outros mega investidores) até o meio do ano era a seguinte: o Fed teria ido longe demais na alta dos juros de curto prazo, e isto, por sua vez, quebraria algum setor importante da economia, empurrando toda a curva de juros para baixo novamente, em função da necessidade do Fed intervir na política monetária para salvar tudo e a todos.
Este foi o “playbook” da Grande Recessão de 2008-09 e de outros momentos menos críticos, como por exemplo, no final de 2018 e começo de 2019, quando a economia americana deu sinais claros de fraqueza. Agora, a cartilha parece ter mudado.
A partir da metade do ano, Druckenmiller tomou outra direção. Para ele, dada a resiliência econômica, a persistência inflacionária e a dinâmica do endividamento americano, as taxas de juros de longo prazo estariam no lugar certo. Isto quer dizer que os juros de 10 anos em dólar entre os 4% e 4,5% ao ano teriam vindo para ficar. No entanto, a desaceleração econômica no curto prazo (próximos 12 meses) deveria fazer com que o Fed repensasse sua política monetária e conduzisse o processo de redução de juros de curto prazo ainda em 2024. Neste sentido, o gestor espera que a curva de juros se “desinverta”, ou seja, ele espera que as taxas de juros dos títulos que vencem em dois anos passem a ser menores do que as taxas de juros que vencem em 10 anos — o chamado “bull steepening”.
Até ontem (13), os títulos que vencem daqui a dois anos pagavam 5,04% ao ano. Os que vencem em 10 anos, pagavam 4,62% ao ano. Essa diferença era, portanto, de 42 pontos base. Para enfrentar a desaceleração econômica que viria por aí, Druckenmiller estima que o Fed traria os juros de curto prazo de volta para a casa dos 3,5%, gerando um impacto no diferencial de juros na casa dos 157 pontos base. A operação que ele montou para absorver estes pontos consiste em um “long & short”, no qual ele está comprado de forma alavancada nos títulos que vencem em dois anos (ou seja, ele ganha se os juros de curto prazo caírem), e vendido nos títulos de longo prazo (ganha dinheiro se os juros subirem).
Ao estudarmos a operação aqui na Empiricus Gestão, verificamos que há uma assimetria bastante interessante nesta operação. Especialmente se a economia americana realmente perder fôlego. Inclusive, após a divulgação da inflação ao consumidor do mês de outubro, feita hoje (14) pela manhã, as taxas caíram abruptamente e a diferença veio para os 37 pontos base. A chave será o “payroll”: quando a taxa de desemprego americana mostrar uma deterioração mais clara, o clima dentro do Fed ficará mais nebuloso, e os sinais da queda da taxa de juros de curto prazo ficarão mais evidentes.
Montamos essa operação dentro do Empiricus MoneyRider Hedge Fund FIM IE, fundo que possui o mandato dolarizado e que consegue trafegar nos mais diferentes mercados globais. O ano foi bastante difícil para o fundo, dadas as escolhas mais conservadoras no primeiro semestre (este fundo seguia a carteira MoneyRider, relatório que era de minha autoria na Empiricus Research). Mas com a vinda para a gestora, ganharei graus de liberdade na sua condução. Esta operação do Druckenmiller é um exemplo interessante das possibilidades que se abrem à frente. Ao lado da forte equipe da Empiricus Gestão, vamos buscar os pontos perdidos.
O comportamento dos mercados no mês de novembro
De volta ao mercado brasileiro, o sentimento é de que o rali de final de ano está tomando corpo. Conforme esperado, os resultados corporativos não surpreenderam, mas também mostraram que algumas companhias estão fazendo um excelente trabalho de casa. As large caps brasileiras, em especial, mostraram que têm um poder de fogo grande e dado o ambiente atual, devem continuar a entregar bons números para seus acionistas (e bons dividendos). Boa parte das small caps estão sendo negociadas por valuations muito comprimidos e um simples retorno para a média pode empurrar as carteiras para cima.
Não é à toa que a bolsa brasileira voltou aos 123 mil pontos, puxada pelos sinais de descompressão das taxas de juros globais.
Os dados positivos da inflação divulgados na última sexta-feira (10), empurraram a curva de juros brasileira para baixo e provocaram retornos positivos para os fundos de renda fixa. Nossa aposta nesta seara é de que as taxas de juros brasileiras com vencimento em dois anos virão para baixo, abrindo espaço para a recuperação do prêmio frente ao CDI.
Do lado político, é preciso mencionar a aprovação da reforma tributária nao Câmara e no Senado (ela voltará para a primeira, mas deve ser votada velozmente), e a recuperação da voz do ministro da Ffazenda, Fernando Haddad, que havia sido sufocado com os comentários de outros interlocutores sobre a questão da perspectiva do déficit para o ano que vem.
A solução para os problemas fiscais do país ainda está longe de ser alcançada, mas a simples manutenção das expectativas pode ser capaz de gerar um ambiente mais propício para a continuidade do processo de afrouxamento da política monetária. Vai ser difícil o investidor contar com ambos fatores (fiscal e monetário) jogando a favor. Mas se um deles pelo menos der espaço para o outro, poderemos ter finalmente a descompressão dos ativos de risco brasileiros em 2024. À conferir.
Do lado das commodities, houve um certo enfraquecimento, especialmente no segmento de energia. O preço do barril de petróleo tipo Brent voltou a ser negociado na casa dos US$ 80, puxado pela leitura de que as economias globais estariam desacelerando. Os dados chineses causaram certa apreensão, e provocaram um “sell-off” mais intenso por parte dos hedge funds globais, que agora possuem mais posições vendidas do que compradas no mercado futuro da commodity. Se este movimento é ruim para quem aposta em uma alta mais forte dos preços, por outro lado, favorece o ciclo de afrouxamento monetário, ao gerar alívio nas cadeias produtivas. Mais um ponto para a diversificação de carteiras.
Em resumo, o gatilho para o rali de natal parece ter sido puxado. Os pontos de atenção recairão sobre as últimas reuniões dos Bancos Centrais, que ocorrerão em dezembro. A percepção, por ora, é que nem mesmo elas retirarão o otimismo dos investidores. Por aqui, manteremos os olhos e ouvidos atentos — e os hedges montados.
Forte abraço,
João Piccioni
PS. A Empiricus Gestão tem um Telegram novinho em folha: clique aqui para acessar.
PS2. Para quem não leu a primeira carta do gestor do fundo Tech Select, clique aqui para ler.
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