Diário de Bordo

Radioactive: o mercado em estado de mutação

João Piccioni

9 abr 2025, 11:23 (Atualizado em 9 abr 2025, 11:23)

“I’m waking up, I feel it in my bones, enough to make my system blow…”
(Imagine Dragons)

Poucas canções traduzem melhor o sentimento do mercado nesta semana do que Radioactive. A letra soa como o despertar em um mundo pós-apocalíptico, em que algo invisível — porém fatal — paira no ar. Assim estão os investidores: contaminados por uma instabilidade crescente, sem saber ao certo onde pisar. O VIX passou dos 50 pontos e nesse patamar tudo pode acontecer. É como se o Geiger do mercado financeiro estivesse apitando sem parar. Há radiação por toda parte — e pouca blindagem.

Depois de semanas de expectativas, o conflito comercial entre Estados Unidos e China foi deflagrado com força total. Trump, fiel ao seu método de “caos estratégico”, anunciou tarifas adicionais ao parceiro comercial que somadas adicionam singelos 104% aos preços atuais dos produtos. A China, claro, respondeu conforme o esperado: “lutaremos até o fim”. O “Liberation Day”, como foi batizado pela retórica, pareceu bem mais uma libertação do bom senso — e menos um plano de realinhamento global. A lógica utilizada para se jogar? Simples, porém perigosa: déficit em conta corrente virou critério de punição.

É a transformação de um desequilíbrio contábil em arma de guerra. E o risco aqui é estrutural. Ao atrelar a política tarifária a um número específico — e volátil — como o saldo da balança bilateral, Trump restringe a si mesmo: como recuar no futuro sem parecer incoerente? Como negociar com flexibilidade se a régua é matemática?

O mercado entendeu rápido o que está em jogo. As Bolsas globais desabaram e só o ouro voltou a saciar o apetite dos investidores. O dólar e os treasuries, tradicionalmente os bastiões da segurança em tempos incertos, passaram a ser vistos como uma ameaça. A China, uma das maiores financiadoras da economia americana, correu para liquidar uma parcela da sua posição nos títulos americanos. E, no final, o sell-off se espalhou como se todos os ativos tivessem tocado plutônio. O temor deixou de ser a inflação ou os juros. São as possíveis fragmentações do comércio, a quebra de cadeias e o colapso da previsibilidade que fazem os os ossos gelarem. E, nesse ambiente, o prêmio de risco sobe — com ou sem fundamentos.

Mas nem todo colapso é homogêneo. Há bolsões de resistência e, mais do que isso, oportunidades táticas. Apesar de duro em seu discurso, a “trump put” deve aparecer mais cedo ou mais tarde. A aprovação política vai sendo minada velozmente e o incômodo traz as eleições do Senado no mid-term para os holofotes. O problema aqui não se trata da Bolsa em si, mas dos juros dos títulos públicos que de forma inversa ao pretendido não cedem pela fuga de capital dos EUA — quem diria…

Nesse ínterim, a salvaguarda pode aparecer nas mãos de Jerome Powell. O presidente do Federal Reserve tem os instrumentos para intervir no mercado de títulos, provendo a liquidez necessária via o quantitative easing. Isso deve acontecer em breve, dado que o sistema bancário em breve dará sinais mais claros de pânico — espero uma pressão forte proveniente dos discursos dos CEOs dos grandes bancos americanos.

Enfim, para os investidores com visão de longo prazo, a hora é de colocar recursos para trabalhar. Aos poucos, a coragem deve suplantar os medos e a reversão a um status quo mais favorável prevalecerá. Bem vindo aos novos tempos.

O comportamento dos mercados em abril 

Com poucas exceções, as Bolsas globais voltaram ao campo negativo. No ano, os índices S&P 500 e Nasdaq-100 apresentam perdas de 17,04% e 15,28%. O Ibovespa é uma das exceções e ainda sobe 3% no ano, refletindo ainda o desempenho mais fraco do final do ano passado.

As commodities também sofreram. O barril de petróleo já negociava abaixo dos US$ 60 pela manhã de hoje, reflexo da deterioração das expectativas econômicas globais — um prato cheio para a queda da inflação. A leitura se repetia para as outras commodities, à exceção do ouro, que voltou a negociar próximo aos US$ 3.100 a libra-onça.

Nos fundos internacionais, seguimos preparados. A alta exposição a caixa e a diversificação temática nos permitiram passar pelos primeiros choques. Mesmo nos mandatos ligados a tecnologia, priorizamos nomes com volatilidade mais controlada e maior previsibilidade de resultados. Essa crise, que é em parte real e em parte encenada, tende a abrir espaço para empresas sólidas se reafirmarem — e vamos estar prontos.

No Brasil, a resiliência do investidor local parece estar se esvaindo. Como eu repito insistentemente, não existe decoupling. O dólar voltou a superar a marca dos R$ 6,00 e o Ibovespa voltou aos 122 mil pontos. Em nosso mandato local, o Empiricus Deep Value Brasil FIF Ações, reduzimos a exposição às ações de forma equânime e aguardamos uma janela melhor para voltar a alocar. No ano, ainda nos mantemos firmes em território positivo.

Para frente, continuamos a despertar dia após dia em um ambiente que exige constante recalibração. Os desafios são múltiplos: política externa errática, fragmentação das cadeias globais, perda de ancoragem das expectativas e um sistema financeiro que começa a mostrar fissuras. A única certeza é a incerteza — e, com ela, a necessidade de rigor e serenidade na gestão.

No fim, nossa meta é escapar da prisão do curto-prazismo, moldando portfólios que resistam à corrosão radioativa do presente. Se o mundo está ganhando novos contornos físicos, o investidor que sobreviverá será aquele capaz de mudar com ele — sem perder a forma.

Vamos em frente!

Forte abraço,
João Piccioni


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